Sintetizo trechos sobre a transferência de uma aula no Seminário de Formação Permanente, realizada em julho de 2018, quando começávamos o estudo da Intimidade, tema de nossa próxima Jornada. A hipótese inicial foi de que a Intimidade é do Um.
Como vocês lembram, Freud considerava, desde o início de sua obra, o Sintoma como um corpo estranho. Estranho, a rigor, é o êxtimo, o mais íntimo e o mais estranho do falasser. O Gozo Um. A Transferência se instala quando o analista, por sua leitura, se alinha com esse ponto Troumatique. Ponto de gozo que é o modo no qual o Real se apresenta na clínica. É a transferência ao Real.
O título que a Diretoria deu para essa aula foi: Momento Clínico.
“Uma psicanálise é […] uma experiência que consiste em construir uma ficção. […] Ao mesmo tempo […], é uma experiência que consiste em desfazer essa ficção. […] A psicanálise não é o triunfo da ficção. Nela, a ficção é posta à prova em sua impotência para resolver a opacidade do real.”[1]
Esta síntese do que é uma psicanálise implica a existência de dois campos: o campo do gozo e o da Estrutura de Ficção.
O gozo opaco como o mais íntimo e singular nasce na Encarnação, no Acontecimento de corpo no qual se inicia a existência de cada um dos humanos. Para isso, um Significante, que Lacan, no Seminário 19, chama de Uniano, opera da seguinte maneira: deixa de ser Significante e passa a um puro existir como Substância Gozante. Lacan disse desta forma: “O que só existe ao não ser: é exatamente disso que se trata, e foi o que eu quis inaugurar hoje no capítulo geral do Uniano.”[2] Também forma parte desse Campo o gozo dos S1 sozinhos: Alíngua.
Já na estrutura de ficção, encontramos o gozo da fala e a Linguagem.
Esses dois grandes espaços – o do Gozo e o dos Semblantes – formam uma rede topológica complexa na qual há que incluir o tempo. No instante do Acontecimento de corpo, se define o Instante, um Antes e um Depois.
Voltemos à transferência. O paciente foi à análise com uma pergunta sobre sua relação com o saber. Relatou seu primeiro sonho no início da análise: estava jogando com um Frisbee branco na praia, com um amigo. Havia muitas associações interessantes. O psicanalista falou: “O disco branco é uma condensação”.
O analista colocou o objeto, o disco branco, no centro, como elemento principal. Assim, destacou a pulsão e o Gozo. Isso marca a política da Direção da cura ao Real no Sinthoma na perspectiva da Orientação Lacaniana do Campo Freudiano.
A interpretação evidencia o caráter quantitativo e a sobrecarga de quantidade no Sinthoma. Como efeito, o paciente foi ler A interpretação dos sonhos e, dessa forma, retoma contato com seu Sintoma, que tem a ver com o saber. Uma condensação é uma convergência no ponto de uma soma de quantidades. Com esta interpretação, o analista tomou para si o objeto a e assim se apresenta em um ponto que condensa saber-objeto-pulsão. “O analista é o Sinthoma”, diz Lacan.[3]
O Significante da transferência traz consigo as ressonâncias iterativas do Um Uniano. Miller antecipa essa ideia em uma conversa no Centro Descartes[4], quando diz que o Significante da transferência do Matema de Lacan[5] designa o enigma singular de cada falasser. Hoje, diríamos saber de suas posições de gozo na vida. “O Significante do Passe extingue o enigma”, acrescenta Miller. Hoje, sabemos que saber não é apenas saber. É necessário saber fazer com isso que se sabe, porque senão, não se sabe.