Esta edição do Boletim Persiana Indiscreta enriquece nossa discussão sobre Intimidade e nos prepara, mais ainda, para nossa Jornada que se aproxima. Vejamos:
No texto, “O que não se vê da janela”, Marcelo Veras pergunta: “como o psicótico pode dar um tratamento ao enigma do gozo se ele tem o objeto da pulsão no bolso e considerando que ele tem problemas originais quanto a imagem de si – que o eterniza em uma inquietante estranheza?” Essa questão repercute na abordagem da intimidade na psicose, onde os fenômenos passíveis de passar pelo Outro e os que são opacos por não carecerem de sentido produzem um impasse, a depender da abordagem da estrutura da realidade. A polêmica entre Lacan e Merleau-Ponty sobre a natureza das alucinações dá o tom da relação entre o olhar e a estranheza e, em consequência, a estruturação da realidade. A passagem do mais íntimo ao mais externo envolve considerar que a percepção da realidade inclui o próprio sujeito pensante – a fita de Moebius demonstra que o íntimo envolve algo “fora de si”.
“A exposição da intimidade, uma loucura contemporânea” é o texto no qual Jorge Rodriguez interroga a posição do analista na hipermodernidade a partir do tensionamento entre a exposição da intimidade como espetáculo exibicionista e o conceito de extimidade na psicanálise. Para tanto, usa uma vinheta clínica para conceber o tratamento analítico dado à intimidade. O íntimo é um lugar onde o sujeito se situa fora do olhar do outro (conforme G. Wajcman) – sendo esta sua própria condição de existência – e se apresenta como estrangeiro, mas também familiar. O sujeito pode decidir abrir sua intimidade pela via do espetáculo ou passar pela experiência de análise, onde pode reconhecer aí seu modo de gozo.
O artigo seguinte é o de Luiz Felipe Monteiro, na Rubrica VIDRADOS NO OLHAR, que parte do clipe Daydreaming, onde os cenários familiares revelam que o estranho atravessa os espaços sem a conotação de dentro e fora, para mostrar que a extimidade do significante do Outro não causa estranhamento quando está velada pelo recalque. É necessário a leitura analítica para desvelar e desangustiar fazendo aparecer o desejo (ainda que seja de dormir).
Na Rubrica ENTRE(a)VISTA, Rogério Barros conversa com a artista visual, diretora de arte e figurinista Renata Soutomaior, cuja arte é dar vivência às cenas (que nos inquieta a partir do olhar, que captura o nosso desejo), que justo por ser viva sempre algo escapa. “Algo que não tem falha, defeito, não tem vida, não é habitado”, segundo a entrevistada. Para despertar o interesse de vocês mostro um dedo de prosa da artista: “As câmeras … querem mostrar tudo o que acontece… o ‘plano detalhe’, que é a imagem da câmera focada em um gesto, um olhar, é engolido pelo excesso de informação de uma grande angular fixa. Não há intimidade, há excesso de informação de objetos, de cena, de gestos, de texto, e embora pareça que você está mais perto, conhecer melhor aqueles personagens, o que ocorre é o oposto, pois aquelas informações se perdem sem o direcionamento do olhar”. Depois deste aperitivo, vão direto à entrevista, onde algo mais se revela.
Já em ACONTECEU NA EBP-BA: LEITURAS SEMINAIS, Marcelo Magnelli, faz uma leitura do que escutou do filósofo Waldomiro José da Silva Filho, que tratou do tema “A intimidade em cena: diálogos com a filosofia – sobre si mesmo”, na atividade preparatória da nossa Jornada, ocorrida no dia 11 de julho. Waldomiro iniciou definindo “si mesmo” como “aquilo que acontece em primeira pessoa”, ou seja, quando uma pessoa descreve seus estados. Marcelo destaca uma inflexão epistêmica do filósofo ao invocar o paradoxo de Moore e nos apresenta o que lhe pareceu ser a principal conclusão: “acredito que seja melhor fazer a, mas faço b”. Essa proposição lógica, paradoxal, nos aproxima da perspectiva do gozo em Lacan e nos traz como consequência que “não somos os melhores observadores sobre nós mesmos… cometemos erros sobre nossos estados mentais”. A leitura aponta ainda para o aspecto moral e epistêmico; a transparência; e a proximidade entre as noções de si mesmo e a extimidade.
Visitem os textos e boa leitura!