The Circle é um filme americano dirigido por James Ponsoldt e adaptado do livro homônimo de Dave Eggers (2014). Lançado em 2017, conta a história de Mae (Emma Watson), uma jovem que no auge dos seus 24 anos, encontra o emprego dos seus sonhos em uma empresa especializada na imbricação entre as novas tecnologias e as redes sociais, e cuja filosofia é a transparência suprema.
Em um ambiente onde o limite entre a vida profissional e a vida pessoal não existe, pois esta separação é vista como desmotivação ao trabalho, Mae é encorajada pelo seu diretor (Tom Hanks) a participar de um projeto revolucionário, o TruYou. Este, como um tipo de espião, lê os e-mails, scanea as fotos e tem acesso a todas as publicações de seus usuários. Seu objetivo é publicar online, sem nenhum pudor, todas estas informações recolhidas a fim de demonstrar que nos dias atuais, graças às novas tecnologias, até mesmo nossos segredos mais íntimos podem ser revelados. Apesar dessa transparência absoluta incomodar Mae, ela se deixa cativar pela popularidade que o projeto lhe proporciona e aceita participar da experiência de ser controlada 24 horas por dia por uma micro-câmera que transmite ao vivo seu cotidiano. Trata-se aqui de uma transparência total onde as noções de vida privada e intimidade desaparecem.
Os limites do íntimo são questionados por Mae em três momentos cruciais do filme: quando a vida sexual de seus pais torna-se pública, quando ela é salva de um afogamento e quando seu ex-namorado morre fugindo dos inúmeros drones que querem « invadir » sua privacidade. No entanto, mesmo conhecendo os riscos deste projeto, Mae, fascinada pela fama e pelo sucesso desta nova forma de poder e dominação, está convencida de que a política de transparência é vantajosa e deseja expandí-la a fim de fechar o círculo em uma gestalt perfeita, utilizando-se para isso do ideal da « transparência total e para todos ».
Como Mae, nos dias de hoje, quando a proliferação das imagens é incontestável, os sujeitos hipermodernos também pensam que a transparência e a possibilidade de tudo ver e tudo saber sobre todos a todo momento, graças às redes sociais, é algo benéfico. No entanto, como indica Wajcman[1], o paradoxo é que « por um lado tememos estar sob o olhar do outro e por outro lado, o reivindicamos ». Em outras palavras, ocupamos uma dupla posição, onde « às vezes nós somos o objeto submisso e às vezes, o agente em busca de ser visto, de se exibir de todas das maneiras »[2]. O sucesso das redes sociais, tais como Facebook, Twitter, Instagram, Periscope, Snapchat, etc., deve-se a isso, pois o que está em jogo nessas ferramentas, além da pulsão escópica no sentido freudiano – ver e ser visto[3]–, é uma questão de existência: « Você me olha, logo eu existo. Eu só existo contanto você me olhe»[4]. Ser visível tornou-se não apenas um imperativo, mas também uma forma de existir.
De acordo com Wajcman, nós vivemos na época da « exibição generalizada »[5], onde não apenas « os véus caem, mas eles caem sem vergonha nem pudor »[6]. A este respeito, Jacques-Alain Miller, em um artigo intitulado Note sur la honte[7], retoma uma citação de Lacan que afirma que na nossa sociedade « a vergonha não existe mais »[8], para propor a formulação de que se antes o olhar era tomado como o que podia fazer surgir a vergonha, hoje em dia, o olhar que nos é oferecido em um só click pelas mídias sociais, é « um olhar castrado do seu poder de provocar a vergonha (…). Certamente não é mais o olhar do Outro que poderia julgar »[9]. Para Miller, o desaparecimento da vergonha revela o segredo da sociedade contemporânea : « Você olha porque isto te faz gozar. É você como sujeito, e não o Outro, quem olha. É a prova de que seu olhar, longe de estar envergonhado, não é mais nada que um olhar que goza também. É, olhe-os gozar para gozar disto »[10].
Assim, a título de conclusão, podemos dizer que The Circle é uma crítica às novas tecnologias e à forma como elas alteram nosso cotidiano e afetam nossa subjetividade na medida em que nós nos alienamos a elas e fazemos semblante de jogar o jogo da transparência. Tal como Wajcman propõe, «Nós nos damos a ver, nós alimentamos esta busca impossível pela verdade porque nós pensamos que é isto que o outro procura em nós, mas é uma busca forçosamente perdida já que nós somos, na maioria das vezes, opacos à nós-mesmos »[11].