A rubrica Entre(a)vista nasce como um neologismo. Nele, fazemos vacilar o significante entrevista, narrativa de um ser de fala sobre determinado assunto ou conteúdo, deixando cair algo da vista, campo escópico por excelência, a que nos permite fazer a cena. Com nossa invenção, entre o simbólico e o imaginário da coisa, damos relevo às palavras dos nossos entrevistados, na tentativa de circunscrever o tema da intimidade no mundo atual.
Para esta edição, convidamos a diretora e jornalista Renata Simões, cujos trabalhos apresentam intimidade com os comportamentos humanos, como a música, a vida digital, o feminismo, a sustentabilidade. Formada em Comunicação Social, trabalhou no programa Video Show e no canal Multishow, entre outros de TV, internet e rádio. Atualmente, assina matérias para o hub de conteúdo Hysteria e integra o núcleo do projeto Modos de Mina. Ela estreará seu primeiro longa, Amanhã chegou, ainda em 2018.
No tempo dos likes, dos reality shows e dos influenciadores digitais, podemos ainda dizer que temos alguma intimidade? Como você pensa os efeitos dessa nova cultura virtual na juventude?
Acho que a intimidade e a privacidade como conhecíamos se desmancham com a chegada da comunicação digital, mas ainda assim é possível ter alguma intimidade, talvez de outro tipo. Com o recente impacto da mudança de ferramenta de comunicação na maneira como nos relacionamos, quem cresce hoje nativo desse sistema ultrarrápido de disseminação de informação terá uma outra percepção até da própria subjetividade por conta dessa velocidade. Se a Maratona surgiu de um percurso de 40 km para dar a notícia da vitória grega sobre os persas em 490 a.C, hoje, a declaração de guerra chega imediato via WhatsApp da família.
Li um texto da Maria Clara Drummond sobre exposição de celebridades, e ela reflete sobre como hoje essa superexposição é controlada para que o resultado seja o mais unânime possível. Penso que isso vale também para a juventude atual. Tenho um sobrinho com vinte mil seguidores no Instagram, e o que ele tem em comum com a garota que trabalha comigo com o mesmo número de seguidores é que são perfis completos com fotos deles mesmos. Ela compõe o body positive, já ele faz a linha galã. E eu, confesso, fico com vontade de escrever ali “Pedro, abaixa a tampa da privada” porque muitas das fotos são feitas em espelhos de banheiro. Parece-me um efeito desses meios na subjetividade, a escolha do que se expõe e o que se mantém íntimo. Tudo isso atrelado à questão tempo e seus estímulos.
Produzimos selfies, likes proporcionalmente à capacidade de processamento dos computadores. Ficamos mais rápidos. Ficaremos mais rasos? Não sei responder. Trabalhava na TV na época da estreia do Big Brother e lembro da rádio corredor apostando no fracasso do formato porque ninguém ia se interessar por pessoas comuns. Descobrimos que é unânime o interesse, que há aspectos ali para todos os gostos e que ela nos afeta de uma maneira maior, seja isso um desejo ou não. Foi nessa edição do Big Brother que a vencedora gritou “Lula livre” ao fim do programa. Isso reverberou até mim, que não o assisto.
Não há mais limites entre a PF e a PJ, porque se está o tempo todo atuando para a rede. Do Big Brother ao meu sobrinho.
Você percebe nos meios de comunicação e entretenimento mudanças importantes no que tangem à intimidade? Atualmente, os blogs e youtubers promoveram uma revolução no mercado e nas formas de fazer propaganda, que passaram a ser produzidas na própria sala ou quarto de casa…
Aceleraram-se a venda da intimidade e o vínculo de projeção e desejo exercido por essas figuras. Youtubers e vloggers estão presentes em premiações e eventos que, nos anos 90/00, eram restritos aos artistas de TV. Eles geram comoção entre as pessoas e verba publicitária no mercado. Sua presença também afeta a linguagem e a narrativa, do posicionamento de câmera às interferências gráficas. E, voltando ao tópico anterior, o controle da imagem travestido de verdade.
As marcas agora querem “pessoas reais”, histórias adequadas à sua narrativa. Os reality shows em série trouxeram para o mercado a figura do story producer, o profissional que estuda e acompanha a história de cada personagem, para que ele desempenhe com exatidão a sua participação na narrativa. Então, o laboratório Z faz um filme sobre a senhora X e a jovem Y para anunciar através da história das duas que lançou um serviço em que voluntários são acompanhantes para a terceira idade. As marcas patrocinam “causas” e falam de valores ao invés de produtos, reflexo do impacto da geração que vai às câmeras “falar sobre o que pensa em relação ao mundo”. A verba da campanha se diluiu, já que agora são mais canais para se marcar presença, cada um com a sua demanda. Convivem no mercado as produções caseiras e a grande produção de “própria sala ou quarto”.
A transformação que ocorre atualmente na produção de conteúdo e publicidade é a da distribuição. Ela dita – assim como os vloggers – a visualização, o tempo de duração, a linguagem e o formato do material a ser produzido. É a “distribuição líquida” de conteúdo, com alcance através de todos os canais usados, pensando na produção e mensagem para cada um deles. Esse é o desafio do conteúdo produzido. Como se destacar no mar de estímulos diários? O que torna algo mais ou menos visto? Os memes hoje são usados tanto para vender produtos quanto para newsletter de assunto político.