
Laiz Cardozo – Associada do IPB-BA
No último dia 31 de agosto, a convidada internacional Débora Rabinovich[1] esteve em Salvador (BA) e nos presenteou com uma belíssima conferência preparatória para a nossa 23ª Jornada, a ser realizada nos próximos dias 28 e 29 de setembro. A conferência, presidida por Pablo Sauce (Diretor Geral da EBP – Bahia), representou um momento muito importante de debates e esclarecimentos acerca do tema escolhido para a Jornada, caracterizado por Débora como “interessante e complexo”, uma vez que põe em vista o impossível.
Nesta noite de trabalho, Débora se propôs a destrinchar o título da Jornada “(O)caso da intimidade – Inquietante opacidade do ser” em suas duas partes. Ao tomar “(O)caso da intimidade”, questionou: trata-se de um ideal ou de uma ameaça? Acontecimento tanto da vida clínica como da vida pública, o ocaso da intimidade nos leva a refletir que possuímos o direito à transparência do mesmo modo que o direito à privacidade. Contudo, o que estamos observando é que há uma perda do direito à privacidade e um imperativo a uma vida transparente na contemporaneidade.
Para tratar da complexidade do tema, ela refletiu sobre o espaço privado como não sendo mais tão privado, uma vez que vivemos numa época em que até a intimidade está atravessada pela tecnologia, em que o capitalismo nos empurra ao consumo da internet e dos aplicativos de smartphones. Como situar o íntimo, então, no que Gérard Wajcman[2] diz de um espaço subjetivo, arquitetônico e escópico, onde o outro não pode estar?
Nesta era somos parte do produto e o saber encontra-se do lado do Google. Trata-se, porém, de um saber sem sujeito, uma vez que o capitalismo se nutre do imperativo do gozo e das leis do mercado. Nestes casos, a lei do Pai é substituída pelas leis do mercado, configurando-se, assim, na decadência do Nome-do-Pai. Ora, se por um lado a lei do Pai é também a lei do desejo, por outro, a lei do mercado não limita o gozo, ela empurra o sujeito para o gozo solitário no consumo de objetos iguais. Deste modo, ao invés de desejarem, todos gozam mais e do mesmo.
A psicanálise se apresenta de maneira oposta ao mercado, sustentada em um desejo, o desejo do analista, e constituída a partir de uma figura que é o Sujeito suposto Saber. Ao analista cabe colocar diques para que o sujeito possa escoar uma quota desse gozo.
Na segunda parte de sua conferência, Débora se debruçou sobre a “Inquietante opacidade do ser”. Ao diferenciar enigma de opacidade, afirmou que um enigma implica um significante do qual não temos significado, uma enunciação, o reverso da citação. Ele não é uma pergunta, mas é algo que põe o sujeito a encontrar uma resposta, possibilitando o uso da interpretação. Nesse sentido, uma análise visa encontrar o significado por trás do significante, isto é, solucionar o enigma. Consultamos um analista para saber mais sobre nós mesmos, verificar sintomas ou resolver problemas. Em última instância, levamos um enigma para ser decifrado, pois queremos saber qual é a nossa verdade.
Retomando Lacan, no Seminário 23, Débora afirmou que uma análise é uma resposta a um enigma, uma resposta completamente besta. Trata-se de verificar que, por mais que falemos e busquemos dar sentido e encontrar uma resposta para nossas questões, por mais que experimentemos um gozo no deciframento de nossas historietas, ainda assim a análise encontrará limite se for por esta via, pois há algo de irredutível a um ponto, ao ponto de Real que designa que não há relação sexual. Tal lugar que não é possível decifrar, em que não há uma verdade a ser conhecida, revela que a verdade é mentirosa. Aí, neste ponto, o que há é opacidade, mais além do enigma, mais além do significante.
Débora concluiu que, em nossa época, o que há é uma ilusão de transparência que parece encobrir a opacidade do ser. Mesmo no terreno da análise, em que supostamente nos tornamos transparentes para nós mesmos ou para uma comunidade analítica, sempre haverá um núcleo opaco que revela a não existência da relação sexual. Quanto mais transparente, mais opaco!