Incursões íntimas[1]
Como abordar o íntimo no tempo em que a mostração da intimidade parece ser o paradigma de um outro modo possível de fazer laço social? Nas infinitas lives propagadas na grande rede de aparelhos portáteis, será pela via da incursão que tentaremos, nessa última Edição do Boletim Persiana Indiscreta, alçar aquilo que não se submete ao império das imagens.
Substantivo feminino, incursão tem como um dos seus sinônimos a palavra ataque. Remete à invasão súbita de um território estrangeiro, uma investida no desconhecido. Pode ainda significar passeio ou excursão, algo mais prazeroso que ameaçador, não sendo tão necessário o ataque como estratégia de defesa frente ao estranho. Incursão também faz referência ao estudo sobre uma área do saber diferente daquela usual[2].
Do ataque ao estranho ao desejo de saber sobre o não usual, propomos uma incursão sobre o tema da intimidade, sob a perspectiva de diversos autores. Nesta última Edição contamos com o precioso texto de Gérard Wajcman, psicanalista e escritor, As fronteiras do íntimo. Íntimo exposto, íntimo extorquido, referência crucial para as discussões que antecederam a 23ª Jornada da EBP-BA. O autor aborda a noção de intimidade desde o seu surgimento, sua relação com a liberdade e o entrelaçamento com a concepção de segredo, propondo formulações fundamentais que alcançam o contexto da invenção freudiana. Destaca a sexualidade como “núcleo opaco do íntimo” para a psicanálise e percorre as fronteiras do íntimo na atualidade, discorrendo sobre o delírio científico da transparência e seus efeitos.
Em seguida, na entrevista intitulada A videocâmera mais difícil de desinstalar é a que está enfiada dentro de nós, o nosso convidado da Jornada, Gustavo Dessal (AME. ELP/AMP), responde a uma série de perguntas relacionadas à ética do analista e ao mal-estar na contemporaneidade. Aponta a prevalência da exigência de satisfação, característica do imperativo superegoico, e indica que, em tempos de vigência da sociedade da transparência monitorada por câmeras, o desafio é desativar aquela instalada dentro de nós.
Na seção destinada ao Momento Clínico, Bernadino Horne (AME. EBP/AMP) nos transmite a experiência do Estranho a partir de um testemunho do que acontece em uma análise, para além do setting analítico, considerando o “obscuro que se observa no horizonte do gozo opaco, o Real que não se alcança”.
No texto Para Viver Felizes, Vivamos Escondidos, Jean-Pierre Deffieux (AME. ECF/AMP) aponta a desconstrução da normalidade sexuada, sublinhando na atualidade “o tempo de escolher, o direito de oscilar, de ir de um sexo ao outro” e a possibilidade de não mais se viver aprisionado em um esconderijo, no que se refere à orientação sexual.
Em seguida, na rubrica Vidrados no Olhar, Maria Luiza Rangel (EBP/AMP) nos brinda com o texto A intimidade do ser feminino: arte literária e extimidade, uma resenha do livro de Simone de Beauvoir, A mulher desiludida, destacando a invenção da escrita frente à devastação. É descrevendo a intimidade que a personagem encontra um modo de circunscrever o “turbilhão” experimentado no corpo.
Por fim, na rubrica Entre(a)vista, Valéria Ferranti (EBP/AMP) comenta as perguntas realizadas pela equipe do Boletim Persiana Indiscreta sobre a interface entre a temática da Jornada e a clínica com adolescentes hoje.
Ao longo de 09 Edições do Boletim publicamos textos, resenhas e entrevistas com a proposta de fundamentar as elaborações teórico-clínicas em torno das noções norteadoras do tema da nossa Jornada que estão cerne da experiência psicanalítica, como Extimidade e Opacidade e de noções que perpassam o diálogo com outros campos do saber, tais como Intimidade e Transparência, sob o viés da filosofia, da arte e das incursões na cidade.
Na era em que se recorre cada vez mais à tecnologia em prol do semblante da transparência, ocultando-se o que há de mais opaco, o modo de gozar de cada Um, a Psicanálise propõe trabalhar o mais íntimo, o encontro do ser falante com seu próprio gozo, que se apresenta como êxtimo. Por entre as frestas das persianas, lançando distintos olhares sobre (o)caso da intimidade, pudemos refletir acerca das especificidades da leitura da Psicanálise de Orientação Lacaniana sobre essa temática e dos encontros e desencontros com outras leituras possíveis. Orientando-nos pelo furo como causa, a nossa aposta é que os debates da Jornada sejam inspiradores, produzindo ressonâncias e encontros inéditos.
É com ânimo especial de um trabalho que se conclui com o trilhamento das marcas de cada Um que contribuiu, que fechamos as persianas e abrimos os trabalhos para a 23ª Jornada da EBP-BA. Agradecemos a todos os envolvidos, aos colegas e autores, à Diretoria da EBP-BA, à Comissão de Orientação, que participou ativamente na seleção e na tradução de textos fundamentais para a preparatória das discussões da Jornada, e à Comissão de Divulgação. Agradecemos também a Bruno Senna, responsável pela Editoração do Boletim e ao Revisor Luiz Morando, que trabalharam com empenho em todas as Edições.
Saudações da Equipe do Boletim Persiana Indiscreta,
Carla Fernandes – Membro EBP/AMP, Coordenadora do Boletim
Fernanda Dumet – Associada do IPB-BA, Rubrica Vidrados no Olhar
Laiz Cardozo – Associada do IPB-BA, Rubrica Intim&cidade
Nayahra Reis – Psicóloga clínica em Paris, Intercâmbio
Rogério Barros – Associado do IPB-BA, Rubrica Entre(a)vista
Iordan Gurgel – AME. Membro EBP/AMP, Coordenador da Comissão de Divulgação
[1] Agradecemos ao colega Nilton Cerqueira (Membro EBP/AMP), que gentilmente sugeriu o título desta Edição Final, em uma conversa agradável nos bastidores preparatórios do Boletim Persiana Indiscreta.
[2] Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?id=okG9o.

Carla Fernandes
Membro EBP/AMP, Coordenadora do Boletim

Fernanda Dumet
Associada do IPB-BA, Rubrica Vidrados no Olhar

Laiz Cardozo
Associada do IPB-BA, Rubrica Intim&cidade

Nayahra Reis
Psicóloga clínica em Paris, Intercâmbio

Rogério Barros
Associado do IPB-BA, Rubrica Entre(a)vista
