EDITORIAL
Equipe do Boletim Persiana Indiscreta
Como abordar o íntimo no tempo em que a mostração da intimidade parece ser o paradigma de um outro modo possível de fazer laço social? Nas infinitas lives propagadas na grande rede de aparelhos portáteis, será pela via da incursão que tentaremos, nessa última Edição do Boletim Persiana Indiscreta, alçar aquilo que não se submete ao império das imagens.
Substantivo feminino, incursão tem como um dos seus sinônimos a palavra ataque. Remete à invasão súbita de um território estrangeiro, uma investida no desconhecido. Pode ainda significar passeio ou excursão, algo mais prazeroso que ameaçador, não sendo tão necessário o ataque como estratégia de defesa frente ao estranho. Incursão também faz referência ao estudo sobre uma área do saber diferente daquela usual.
As fronteiras do íntimo. Íntimo exposto, íntimo extorquido
Gérard Wajcman – Psicanalista em Paris, ensina no Departamento de Psicanálise da Universidade Paris VIII, onde dirige o Centro de Estudo de História e de Teoria do Olhar. Escritor e Autor de Fenêtre, chroniques du regard et de l’intime, L’objet du siècle (1998) e L’œil absolu, Colección seguido de La avaricia, Les experts, e o recente Les series, le monde, la crise, les femmes.
Imagem: Fotografias – A mão de Bertha Röntgen, primeira imagem em raios X realizada por Wilhem Conrad Röntgen, em 1896. Kiss 2, X-Ray art, Wim Delvoye, 2000. Lick 3, X-Ray art, Wim Delvoye, 2000.
Não fui eu quem encontrou esse título, “As fronteiras do íntimo”, foi Murielle Gagnebin. Como acontece por vezes com as almas amigas, ela viu antes e melhor do que eu o que poderia importar para mim, e que, acredito, importa. O íntimo, evidentemente, não é algo que cai do céu, já que, em um livro que consagrei às janelas, tendia justamente a definir as condições de possibilidade desse núcleo subjetivo que chamamos o íntimo. Supus, de fato, que não se tratava de algo dado, mas que o íntimo tinha uma estrutura singular e uma história; consequentemente, que não houve íntimo desde sempre – nem existirá forçosamente para sempre. Finalmente, acabei circunscrevendo-o como um lugar de essência ao mesmo tempo arquitetônica e escópica: o espaço onde o sujeito pode estar e sentir-se fora do olhar do Outro…
A videocâmera mais difícil de desinstalar é a que está enfiada dentro de nós
Gustavo Dessal – AME. Membro ELP/AMP
Imagem: El Artesano Numantino – Collar de esclavo romano
O escritor e psicanalista Gustavo Dessal, instalado na Espanha desde a última ditadura civil-militar argentina, considera que revisitar os conceitos fundamentais de sua prática é um exercício capaz de dar novos ares a um ambiente viciado de geringonças, imposturas e fanatismos, por mais feridas narcísicas que isso produza.
Esse homem, que conhece profundamente os textos de Freud e Lacan, que é educado, generoso, que não anda pelas ruas acatando ou atacando gratuitamente, tampouco aceitando qualquer pedido, não esquece a potência subversiva da invisibilidade na atual sociedade da transparência.
Momento clínico: O Estranho
Bernardino Horne – AME. Membro EBP/AMP
Imagem: Paris Metrô, Urban Arts, de Marcelle Cerutti
Dez anos depois do passe, fui convidado para falar num espaço da EOL destinado a fazer teoria da clínica desde os finais de análise dos AE. É um trabalho fundamental na orientação clínica e um dever ético dos ME na Escola. Nesse momento, o Estranho não estava no foco da tarefa, mas escrevi sobre uma experiência dessa categoria.
Em seguida à interpretação do primeiro sonho, e como efeito do desenvolvimento da transferência, fiz dois lapsos.
Para Viver Felizes, Vivamos Escondidos
Jean-Pierre Deffieux – AME. Membro ECF/AMP. Psiquiatra, professor e corresponsável da Seção Clínica de Bordeaux
Imagem: Fotografia – Pelas ruas de Lisboa, de Lorena Costa
Nos últimos cinquenta anos, na maioria das nossas sociedades ocidentais, a liberalização jurídica, moral e intelectual da orientação homossexual do desejo tem sido maior. Eu queria, sem cair na caricatura, distinguir nas três últimas gerações dos 60, 40 e 20 anos, os traços mais visíveis da forma como os homossexuais viveram e vivem com seus desejos.
Começarei pelo protótipo dos anos 80. Escolho-o como alguém vindo da província, de um meio burguês, católico, tradicional, bem-educado, uma espécie de François Mauriac. O jovem dos anos 80 tem entre 18 e 20 anos, e desejos inconfessáveis o dominam. A sociedade local é fechada, os amigos são desportistas e zombam amavelmente desse rapaz, que se encerra nos seus livros e não paquera as garotas de forma ostensiva.
VIDRADOS NO OLHAR
A intimidade do ser feminino: arte literária e extimidade
Maria Luiza Rangel – Membro EBP/AMP
Através do relato de um diário, Simone de Beauvoir, em seu livro A mulher desiludida, traz a história de uma mulher casada há muitos anos com um homem com o qual partilhava identificações e valores em uma relação de carinho, companheirismo e cuidado mútuos. Assim ela percebia o casal.
Em um dado momento, a intimidade da personagem é entregue, por ela mesma, ao público, que, nesse caso, é representado pelos seus amigos. Com a rapidez de um raio, algo do mais íntimo dela passa a estar em exposição: o sofrimento de ser traída; a realidade da existência de outra mulher na vida de seu marido, isto é, a presença da Outra mulher na cena conjugal.
ENTRE(a)VISTA com Valéria Ferranti
Fernanda Dumet – Associada do IPB-BA
Imagem: Horizontes de mim, ilustração de Bruna do Vale
No último Boletim preparatório da 23ª Jornada da EBP-Ba, (O)caso da intimidade: inquietante opacidade do Ser, trazemos uma entrevista com Valéria Ferranti (Membro EBP/AMP), coordenadora do Núcleo Ciranda/Clin-a-SP , o qual faz parte da Nova Rede CEREDA do Brasil. Valeria responde a perguntas sobre um tema que nos é bastante caro na clínica: a adolescência na contemporaneidade, como os adolescentes situam-se nessa época da transparência, da exibição dos corpos e dos selfies, o que visam ao postarem cenas íntimas nas mídias, fato cada vez mais comum, e quais os efeitos desse fenômeno.
#Ficaadica: Gustavo Dessal na Rede.
O colega Luiz Felipe Monteiro (Membro EBP/AMP) destacou artigos, reportagens, conferências intervenções e entrevistas do nosso convidado da Jornada. Para conferir clique aqui.