Nos últimos cinquenta anos, na maioria das nossas sociedades ocidentais, a liberalização jurídica, moral e intelectual da orientação homossexual do desejo tem sido maior. Eu queria, sem cair na caricatura, distinguir nas três últimas gerações dos 60, 40 e 20 anos, os traços mais visíveis da forma como os homossexuais viveram e vivem com seus desejos.
Começarei pelo protótipo dos anos 80. Escolho-o como alguém vindo da província, de um meio burguês, católico, tradicional, bem-educado, uma espécie de François Mauriac. O jovem dos anos 80 tem entre 18 e 20 anos, e desejos inconfessáveis o dominam. A sociedade local é fechada, os amigos são desportistas e zombam amavelmente desse rapaz, que se encerra nos seus livros e não paquera as garotas de forma ostensiva.
A luta interior é terrível: o jovem está só, não fala para ninguém do seu sofrimento e, é claro, nem para seus pais. Ei-lo aqui, construindo pouco a pouco, com a força da sua energia, um sistema de defesa muito sólido. Ele despreza seus desejos, encerra-os, reprime-os, renega-os… e entra, constrangido, no molde da normalidade. Escolhe uma jovem namorada, disposta a tudo por ele, casa-se e lhe dá muitos filhos (é bem sabido que quanto mais filhos se tem, mais normal se é).
A esposa é negligenciada, se bem que as aparências fiquem salvas nos jantares da cidade, e o pai respeitado. Mas a culpa inconsciente domina, devasta. A renúncia ao desejo, sabemos disso, é dura de suportar e não é sem consequências. O homem quer ser impecável. E não posso me privar de lembrar este velho anúncio bem-conhecido e de circunstância:
“Omo faz o branco mais branco”
“Omo chega, a sujeira vai embora”.
Ela vai embora e volta, como diz a canção. Ela volta de maneira distorcida sob as diversas formas da falta: o engano, a desonestidade, até mesmo a traição. O homem culpado por sua recusa do desejo encontra uma saída para a falta social que esconde como pode, não deixando por nada do mundo a via da respeitabilidade. Mas não basta se dizer honesto para chegar a sê-lo. Há em nós demônios que nos dominam.
Durante esse tempo a mulher discreta sofre, suporta golpes, seca pela ausência de amor. Para alguns, a vida toda é assim, terrível, a esconder por todos os meios o menor sinal ostensivo. Para outros, há algumas injúrias, alguns encontros furtivos, até mesmo um amor escondido e culpável, vivido no maior segredo.
Insisto nessa geração de 60 anos, nesse lugar do desejo homossexual culpado, que não se pode não pagar e não fazer pagar. Fazer pagar essa falta ao Outro, no sentido dos bens materiais, e arriscar-se a ser pego fazendo isso.
Esses homens são muitas vezes surpreendentemente contra qualquer forma de descriminalização da homossexualidade, contra o PACS[2] e mais ainda contra o casamento para todos[3]. Em todo caso, é o que eles sustentam para não correr o menor risco de serem desmascarados.
A descriminalização da homossexualidade em 1982, na França, seguramente teve consequências, em parte não percebidas, para a sociedade e para os interessados que, pouco a pouco, modificaram profundamente seu estilo de vida.
Entre 1970 e 1980, nos Estados Unidos, na França e em outros lugares, os homossexuais saíram do gueto e exigiram o reconhecimento de sua escolha. Ademais, assumiram sua orientação e não renunciaram mais a vivê-la. Essa foi a grande época da bissexualidade, uma forma de se conciliar com a homossexualidade, diferentemente das gerações precedentes.
Foi possível, por exemplo, amar uma mulher e assumir seus desejos por homens ou vice-versa, ou ambos. E ainda, se se quisesse manter discrição por razões ligadas à sua profissão, levava-se uma vida sem renegar seus desejos. Tudo se arranjava com um sorriso. As consequências disso foram mais leves, era a época do compromisso mais ou menos discreto.
Hoje, nesse início do século XXI, a liberdade ainda é maior. Damos a nós mesmos o tempo de escolher, o direito de oscilar, de ir de um sexo ao outro e não mais nos escondemos.
Qual estudante nos dias de hoje não saiu do armário? Qual não declarou a seus pais e a sua família a sua escolha de vida? A noção de normalidade sexuada pouco a pouco desaparece. Somos como somos! Lamentavelmente, não é ainda o caso em muitos lugares do mundo.
Tradução: Marcela Antelo (AME. Membro EBP/AMP)