Decididamente, em nossa Escola, nos ligamos aos pontos da teoria analítica sobre os quais Freud declarou seus limites: da questão da feminilidade aos impasses próprios do final da análise via tempo. A questão “O que quer a mulher” é contemporânea da declaração de Freud de “nunca ter conseguido penetrar perfeitamente em apenas um caso”[i] nessa primeira ligação de uma filha com sua mãe, que é para Freud a fonte mesma das características específicas da feminilidade. Seis meses mais tarde, Freud encontra um outro ponto diante do qual ele se rende: este ponto tem a ver com o tempo. Na lição XXXI das Novas Conferências… sobre a desconstrução da personalidade, quando ele apresenta o inconsciente – como ele diz – sob sua nova designação, o Isso, ele conclui pelo enigma da permanência inalterável do recalcado da parte do tempo, com uma queixa: “infelizmente, sobre esse ponto, eu tampouco, não consegui ir mais além”[ii]. Onde foi mesmo que Freud se deteve?
Conhecemos a tese freudiana sobre o tempo. Ela foi anunciada claramente em 1907 em uma nota acrescentada à Psicopatologia da vida cotidiana: Das Umbewussteistüberhauptzeitlos,[iii] “o inconsciente está fundamentalmente fora do tempo”. É o termo zeitlosque melhor define o inconsciente com relação à temporalidade, termo que retorna sobretudo na pena de Freud em seu texto princeps sobre esse tema: O inconsciente: “Os processos do sistema InCs estão fora do tempo”[iv]. Em seu artigo “O inconsciente” Freud define o fora do tempo (zeitlos) dos processos inconscientes como sendo seu não ordenamento temporal, pela sua não modificação no transcorrer do tempo e pela sua não relação com o tempo, uma vez que ele liga o tempo ao trabalho do sistema Cs. No texto de 1932, Freud define o fora do tempo (zeitlos) do Isso pela ausência de três níveis: não há nada que corresponda no Isso a uma representação do tempo (Zeitvorstellung), não há nenhum reconhecimento do transcorrer do tempo, e nenhuma modificação do processo psíquico é produzida durante esse transcorrer do tempo. É esse último aspecto, sempre presente, que mais espanta Freud e – algo inabitual – ele faz apelo aos filósofos para uma avaliação exata do fenômeno. Kant é seu interlocutor, como já havia sido em “Mais além do princípio do prazer”. Mas enquanto no texto de 1920 Freud rejeita Kant afirmando: “a tese kantiana segundo a qual o tempo e o espaço são formas necessárias de nosso pensamento pode hoje ser colocada em questão como consequência de alguns conhecimentos psicanalíticos”, em 1932[v] ele prefere constatar simplesmente que o Isso é uma exceção à tese kantiana: no Isso observa-se “com surpresa uma exceção à tese dos filósofos de que o espaço e o tempo são formas necessárias aos nossos atos psíquicos”[vi].
Nestes textos, portanto, o tempo é o apanágio do consciente e do Eu, enquanto o Inconsciente e o Isso escapam dessa lógica, e a representação abstrata do tempo é inteiramente derivada “do método de trabalho do sistema P-Cs[vii]”. Com efeito, para Freud, a relação ao tempo apenas se torna possível através do sistema perceptivo: “está praticamente fora de dúvida de que o modo de trabalhar deste sistema está na origem da representação do tempo (Zeitvorstellung)”[viii]. Freud retoma no final deste texto a origem da representação do tempo já esboçada no texto “Mais além do princípio do prazer”: segundo Freud, estamos em direito de supor que é a descontinuidade própria do funcionamento do sistema P-Cs que está na origem da representação do tempo[ix]. Ora, essa descontinuidade, que ele atribui à corrente das inervações e à existência de um período refratário à excitação do sistema perceptivo, Freud o atribui ora ao inconsciente[x], ora ao Eu[xi].
Outro ponto: com relação aos desejos que nunca saíram do Isso e às impressões prolongadas no Isso pelo recalque, e que ficam constantemente ativos e “virtualmente imortais” (unsterblich), a psicanálise produz um efeito de desvalorização e de privação de seus investimentos libidinais, sobre o qual se baseia o efeito terapêutico do tratamento analítico, nos dizeres de Freud. Ora, nesse texto, Freud mantem a prioridade atribuída ao valor epistêmico do tratamento: os desejos e impressões “poderão ser reconhecidos como fazendo parte do passado (Vergangenheit) (…) somente quando eles se tornam conscientes através do trabalho analítico”[xii]. Esta tese já havia sido anunciada na Interpretação dos sonhos, mas com um tom diferente: o efeito terapêutico da psicanálise não é tornar consciente os processos inconscientes, mas, ao contrário, esquecê-los[xiii]. Será que o poder terapêutico da psicanálise está emconduziros processos inconscientes ao saber consciente, fazê-los passar do Isso ao domínio do Eu, ou conduzir os desejos inconscientes, fora do tempo, à temporalidade que é própria ao sujeito? Mas, se é assim, o único tempo do sujeito é aquele que a linguagem articula para o “ser-para-sexo”.
Não é justamente isso que o sonho ensinou à Freud, quando ele constatou que o sonho toma a liberdade de expressar a temporalidade pelo espaço? Como Freud diz em sua 24ª lição das Novas Conferências, dedicada à revisão da teoria do sonho – quando ele recorre, para explicar este deslocamento do trabalho do sonho, “à significação originária (Urbedeutung) do termo”[xiv]Haufen – de onde provêm tanto a frequência (Haüfigkeit) relativa ao tempo, quanto à multiplicidade (Haüfung) relativa ao espaço.
Mas Freud não tinha os instrumentos para ler o tempo pela linguagem e, à época, em 1932, ele considerava que não havia muito tempo para se debruçar mais longamente “sobre descobertas tão pequenas” (Kleinfunden)[xv].