EIXOS TEMÁTICOS
O tema “Tempo de Interpretar” que nos estimula a conversar este ano, está sendo desenvolvido em conversações semanais, mais ainda em cinco cartéis que se ocupam dos eixos temáticos dos trabalhos que serão apresentados na Jornada e cujos mais-uns constituem a comissão científica. Eles se debruçam sobre:
Eixo 1 – A interpretação e sua obscura autoridade
A interpretação à-ssombra
Pablo Sauce (Membro EBP-Ba/AMP)
O primeiro eixo temático de nossa próxima Jornada é “A interpretação e sua obscura autoridade.” Para nos orientarmos nessa escuridão escolhi recorrer ao atualíssimo texto do Lacan da “Subversão” – a partir do que podemos considerar um “aforismo” lacaniano – para começar a desvendar o modo como este responde à nossa questão:
“O dito primeiro que decreta, legifera, sentencia, é oráculo, confere ao outro real sua obscura autoridade.”
Esta sentença lacaniana, extraída de Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano (1960) dos Escritos, exemplifica em ato o que pretende dizer enquanto ao dito primeiro. A potência deste apoia-se na metáfora enquanto estrutura sincrônica, a partir da qual se constitui a atribuição primária, aquela que promulga que “o cachorro faz miau, e o gato faz au au”, com que a criança, de um só golpe, desvinculando a coisa de seu grito, eleva o signo à função do significante, e eleva a realidade à sofística da significação. Lacan ilustra assim a autoridade do outro real.
Por sua vez o Outro como sede previa do puro sujeito do significante ocupa a posição do Mestre, inclusive antes deste vir ali à existência. Esta sede não se reduz ao lugar do código, pois é pela mensagem que o sujeito se constitui, uma vez que é do Outro que o sujeito recebe sua própria mensagem de forma invertida. Aqui Lacan descreve as condições de constituição da função de oráculo. Então, partindo da concepção do Outro como lugar do significante afirma que qualquer enunciado de autoridade não tem nele outra garantia senão sua própria enunciação, pois lhe é inútil procurar por esta num outro significante, que de modo algum pode aparecer fora desse lugar. Dito de outro modo, que não existe metalinguagem que possa ser falada; cuja sentença é a de que “não existe o Outro do Outro”. Aqui Lacan esclarece a dimensão de obscuridade da autoridade da interpretação como enunciado “qualquer”.
É por isso que a pergunta do Outro, que retorna para o sujeito do lugar de onde ele espera um oráculo, formulada como um “Che vuoi? – que quer você?”, é a que melhor conduz ao caminho de seu próprio desejo, continua o Lacan da Sub-versão. A partir desta posição e se referindo à função do analista, afirma que convêm reduzirmos tudo à função de corte no discurso, o qual na sessão analítica só tem valor por tropeçar ou até se interromper. Esse corte na cadeia significante é o único para verificar a estrutura do sujeito como descontinuidade no real, disse Lacan, para concluir afirmando que a análise revela a verdade da cadeia significante ao fazer dos furos do sentido os determinantes de seu discurso. A interpretação analítica como sub-versão do inconsciente-intérprete não é sim o corte do que este tem de assombração do dito primeiro.
Eixo 2 – O inconsciente (e)feito de “Um deslize”/ “Um equívoco”
Ana Stela Sande (Membro EBP-Ba/AMP)
O que caracteriza o humano é a imersão no Outro da linguagem, essa imersão é a condição inaugural do choque de Um significante com o corpo produzindo Um equívoco. A partir daí, a marca de lalíngua fixa um furo no corpo como marca de gozo fazendo necessário um saber e o inconsciente surge como (e)feito desta operação lógica, condicional a todo ser humano. Esta operação, real, inaugural é a base para a ideia do ultimíssimo Lacan de foraclusão generalizada.
A partir desse furo e na busca de dar conta dele, o sujeito fala e repete a cada vez o impossível de dizer, deixando aparecer o que foi encoberto com o saber inconsciente construído como sintoma, como semblante. Assim, ao redor do furo, como (e)feito do furo, o saber inconsciente é construído. Como saber que não se sabe e que a interpretação faz surgir como o que inquieta, o que embaraça, o que tira o sujeito da monotonia do gozo débil deixando aparecer o recalque produzindo um efeito de verdade. A verdade a que a psicanálise busca é a verdade do sinthoma, um acontecimento de corpo marcado por um significante que desaparece enquanto significante e se fixa enquanto marca, letra de gozo, produzindo Um equívoco.
Pensar a psicanálise a partir deste prisma nos remete ao ponto onde a interpretação incide no acontecimento de corpo, tornando a interpretação um acontecimento do dizer. Como nos diz Laurent em Interpretação: da verdade ao acontecimento: “A interpretação analítica é assim tomada entre o saber suposto sobre o que é o laço misterioso entre o inconsciente e o gozo e a vacuidade efetiva que se trata de produzir”.
Eixo 3 – A Interpretação dos Sonhos
Mônica Hage (Membro EBP-Ba/AMP)
É no ano de 1900, com “A Interpretação dos Sonhos”, que Freud inaugura a Psicanálise. Através do seu próprio sonho, o conhecido sonho da injeção de Irma, ele conclui que o que está em jogo ali é a realização de um desejo inconsciente. Descobre, assim, o inconsciente e toma o sonho como a “via régia” para o seu acesso. Enigma, portador de um segredo que, para ser decifrado, contudo, é preciso passar ao seu relato. No avançar de sua obra, Freud se depara com um limite, uma parte que resiste à interpretação, e que ele chamou de “umbigo do sonho”, apontando para um furo no saber. Todo sonho tem pelo menos um lugar que não se pode atingir, o seu ponto indizível, que aponta para o real.
Se, para Freud, o sonho era um desejo de dormir, Lacan o tomará como um desejo de despertar. É, ao abordar o sonho do Pai não vês que estou queimando? no Seminário 11, que ele precisa que “parece pouco adequado… que o sonho seja reduzido a uma realização de um desejo.”[1] Lacan destaca que esse sonho aponta para “a realidade faltosa que causou a morte da criança”[2]. Trata-se de um mais além que diz de alguma coisa impossível de ser representada. Lacan faz uma verdadeira reviravolta na abordagem dos sonhos, subvertendo a ordem das coisas: acordamos para continuar sonhando. Mas, para onde despertamos? No Seminário 20, ele toma os sonhos como “instrumentos do despertar”, como uma forma de “articular, de uma nova maneira, o desejo e o que lhe é incompatível, o gozo.”[3] Ocorre que esse despertar se dá de maneira apenas parcial; é algo quase inatingível posto que, como diz Laurent[4], o despertar remeteria a um dano à homeostase do princípio do prazer que garante a vida. O despertar absoluto seria a morte. Aquilo que no sonho provoca o despertar aponta para o real e, quando nos aproximamos desse insuportável, despertamos, acordamos.
Então, que interpretação, ou qual uso podemos fazer do sonho, se seguirmos na via do inconsciente transferencial, ou se tomarmos a via do inconsciente real? Os sonhos ainda pedem para ser interpretados? O sonho é, em si, uma interpretação? Quem interpreta? O que mudou 120 anos depois de Freud? Se a interpretação, e a decifração, levam a uma produção infinita de sentido, nessa infinidade há algo que não cessa de não se escrever. Então é preciso cifrar para não continuar decifrando.
Miller[5] coloca que a “profecia” de Lacan de que “o falasser lacaniano substituirá, um dia, o inconsciente freudiano”, não é totalmente séria. Isso nos leva a pensar que, então, como “ficção, ou carta/letra, sempre roubada”[6], o sonho que importa para nós analistas é aquele que, sob transferência, endereçando-se a um Outro, poderá engendrar algo inédito!
[1] Lacan, J., O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: JZE, 1988, p. 59.
[2] Ibid, p. 59.
[3] Lacan, J., O Seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: JZE, 1985.
[4] Laurent, E. Intervenção durante a Soirée da AMP “Uma noite de sonho. Rumo ao XII Congresso da AMP”, 28 de janeiro de 2019.
[5]Miller, J.-A., “Habeas Corpus”, em Scilicet: As psicoses ordinárias e as outras sob transferência. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2018, p. 17.
[6] Brousse, M.-H. Intervenção durante a Soirée da AMP “Uma noite de sonho. Rumo ao XII Congresso da AMP”, 28 de janeiro de 2019.
Eixo 4 – Os usos do tempo: momento oportuno, contingência, sessão curta, espaço de um lapso
Interpretação (In)Temporal
Ivone Maia de Mello (Associada IPB-Ba)
Ao interpretar os sonhos, Freud abre a via através da qual o sintoma poderia também ser analisado, em busca do sentido recalcado no inconsciente. Principal ferramenta da práxis psicanalítica, a interpretação é em primeiro lugar do inconsciente do sujeito, e somente num segundo momento incide sobre ela a interpretação do analista. Porém nem tudo pode ser vertido em sentido, e o que Freud localiza como “umbigo dos sonhos”, será retomado por Lacan para enunciar que se trata da presença de um real mais além do simbólico, permitindo uma elaboração do conceito de interpretação relacionada ao gozo, e não mais ao sentido. A uma primeira interpretação feita pelo inconsciente, que se constitui como defesa diante do que ressoa do encontro com alíngua, o analista oferece uma interpretação na contramão do sentido. Das palavras que marcaram o falasser, estabelecendo o sintoma como um necessário que não cessa de se escrever, poder passar, pela via da equivocação, ao possível e a um saber fazer com o que o poeta bem situa como “O que não tem certeza nem nunca terá, o que não tem conserto nem nunca terá, o que não tem tamanho…” (Chico Buarque, 1976).
Eixo 5 – Esforço de poesia: rumo a um significante novo
Paulo Gabrielli (Membro EBP-Ba/AMP)
Rumo a um significante novo ou rumo a um novo significante? Duas nuances que estão presentes no corte como intervenção do analista. Ao incidir sobre o objeto o corte faz surgir um significante novo, um significante que nunca foi usado, que não pertence ao Outro? ou trata-se de um novo significante, uma nova modalidade de saber fazer com o mesmo? Como intervir para conseguir transformar a verdade em poesia? O corte, assim como a interpretação, estão inevitavelmente articulados à doutrina do inconsciente.
Esperamos que os eixos acima mencionados animem a produção de trabalhos, que devem ser apresentados de acordo com as seguintes normas:
- Resumo: 1.500 caracteres, letra tamanho 12, Times New Roman.
- Prazo máximo de entrega: 02 de setembro de 2019.
- Indicar escolha de um eixo temático.
- Enviar para: vicentesonia8@gmail.com / anacalmon@hotmail.com
- Trabalho final: 6.000 caracteres, letra tamanho 12, Times New Roman, espaçamento 1,5.
- Prazo máximo de entrega: 07 de outubro de 2019.
- Indicar escolha de um eixo temático.
- Enviar para: vicentesonia8@gmail.com / anacalmon@hotmail.com