
Marcela Antelo – AME Membro da EBP e da AMP
O conhecido gracejo “Quem tem inconsciente não precisa de inimigos” atualiza-se na afirmação de Miquel Bassols publicada no número anterior do Boletim Persiana Indiscreta: “Meu inconsciente é meu próprio hacker”. Modos de nomear a extimidade, de fazê-la significar.
Na preparação da Jornada que se aproxima nos orientamos através do Curso de Jacques-Alain Miller, que propõe que o termo extimidade “há que fazê-lo significar e deixar aí uma estrutura que demonstre a possibilidade de construí-lo, pensá-lo, como o mais próximo, o mais interior ao tempo que exterior”[1].
Hoje publicamos uma intervenção nas Jornadas do Instituto do Campo Freudiano em Buenos Aires sobre as bordas entre o público e o privado, investigadas pelo departamento Enlaces. Pablo Russo, sob o título Envergonhar o eu, analisa um efeito novo que (O)caso da intimidade nos deixa recolher. Ensaia uma atualização da reflexão sobre o escândalo e sua aspiração ao domínio público, em uma época em que “já nada escandaliza”. De Lacan, extrai a função ‘envergonhante’ da psicanálise, de Guy Debord, a sociedade do espetáculo e seus escândalos. Resgata as precisões de Jacques-Alain Miller sobre a vergonha e a honra, de Éric Laurent, sua reflexão sobre o púbico e o privado, e de Paula Sibilia a extimidade espetacular do eu, dentre outras referências soletradas. Duas hipóteses são propostas para a conversação: um retorno do escandaloso à intimidade, condução do gozo a uma extimidade íntima não exibida e uma segunda, a recondução de um certo gozo ao pudor que implicará uma revalorização da palavra frente a impossibilidade de tudo exibir.
Bernardino Horne aporta o momento clínico essencial no caminho da investigação do tema da Jornada e o faz partindo da seguinte hipótese: a Intimidade é do Um. O sintoma como corpo estranho exige a posição de um analista alinhado ao Gozo Um, furo traumático. A transferência ao real que dá nome à sua intervenção é a única estratégia possível frente ao êxtimo. Topologizando o contraponto entre o gozo Uniano e a estrutura de ficção, propõe incluir o tempo. Uma vinheta clínica demonstra que na análise o saber não é suficiente para tratar a opacidade que nos habita.
Nayahra Reis contribui nesse número com uma resenha do recente livro de Clotilde Leguil, A.E em exercício: «Je» Une traversée des identités[2]. Nos interessa especialmente a hipótese de Leguil, que atribui a exibição generalizada do íntimo a uma exigência pulsional. Fala de massificação da relação narcísica dos indivíduos à suas existências e o vão empenho que se revela de afirmar suas singularidades. A hipótese forte de Leguil é o chamado estado do espelho eletrônico e a quimera de existir enquanto Eu que o sustenta. Uma travessia das identidades suportada no que não se compartilha é a aposta da autora.
Como produto do Ateliê de Leitura 2018, as colegas Analícea Calmon e Fátima Sarmento interrogam-se sobre o significante Biblioteca, … a que será que se destina. Encontram os germens da nossa investigação sobre o êxtimo no texto de Freud “O Estranho” que desentranham em alguns encontros na Seção Bahia. A pérola que aportam ao boletim consiste no testemunho da experiência de encontro com os manuscritos freudianos. Encontro “frente a frente com o mais familiar dos nossos estranhos aliados”.
A Edição atual do Boletim Persiana Indiscreta finaliza apresentando a entrevista a Gustavo Dessal, convidado da nossa jornada.
Convidamos vocês a abrir discretamente essa persiana.