A intimidade em cena: diálogos com a filosofia – sobre si mesmo
Na noite de 11 de julho, na Atividade Preparatória para a 23ª Jornada da EBP-Bahia, contamos com a presença de Waldomiro José da Silva Filho, filósofo e professor titular da UFBA, PhD pelas universidades de MIT, Harvard e Purdue, para nos falar sobre o tema “A Intimidade em cena: diálogos com a filosofia”. A mesa foi coordenada por Marcelo Veras.
Em tom informal, Waldomiro desenvolveu um rico e precioso percurso sobre a noção de “si mesmo” na Filosofia, tomando como bússolas seus aspectos morais e epistêmicos, de modo a articular intimidade e transparência, apontando assim para os próprios limites do “si mesmo”. Para ilustrar suas proposições, utilizou-se principalmente de obras de Paul Auster e Luigi Pirandello.
Waldomiro iniciou definindo “si mesmo” como “aquilo que acontece em primeira pessoa”, ou seja, quando uma pessoa descreve seus estados. Para isso, utilizou-se da estrutura narrativa em que o narrador aparece em primeira pessoa. O conferencista citou uma passagem de uma narrativa de Paul Auster. Nela o narrador tem consciência dos estados pelos quais passa e sabe que os tem. Pode refletir sobre eles. O personagem tem acesso direto aos seus pensamentos, não necessita de reflexão. Nesse caso, Waldomiro nos apontou que o sujeito não pode desconhecer algo sobre si, sobre seus estados e sentimentos. Os interlocutores, por outro lado, só sabem algo do personagem se ele disser a eles.
Neste ponto, há uma dupla vertente de aspectos: moral e epistêmico. O aspecto moral inerente é que o sujeito em questão só age a partir de uma reflexão prévia, de um julgamento de crenças e desejos. Já o aspecto epistêmico relevante é que uma pessoa pode descobrir, pela reflexão, o que pensa e deseja, a qualquer momento, pois tem um acesso privilegiado. Há, nesse caso, transparência, pois o indivíduo conhece o conteúdo de suas crenças. Finalmente, sabe que sabe de algo. É o discurso de segunda ordem.
Waldomiro, pareceu, neste momento, realizar uma inflexão epistêmica ao invocar o paradoxo de Moore.[1] Apenas mantenho aqui sua principal conclusão, a de que “acredito que seja melhor fazer a, mas faço b”. Essa proposição lógica, paradoxal, nos aproxima da perspectiva do gozo em Lacan e nos traz como consequência que “não somos os melhores observadores sobre nós mesmos… cometemos erros sobre nossos estados mentais”.
Como exemplo, Waldomiro citou o plot da maioria das comédias românticas: “duas pessoas se apaixonam e não sabem que estão apaixonadas. Só descobrem o que estava sob seus olhos com a ajuda de outras pessoas”. A transparência antes patente, mostra-se impossível, e a noção de si mesmo passa mais a ter uma função de operação do que de verdade.
O falar sobre si mesmo, então, é sempre para um outro, não pode ser um solilóquio, pois, como ele pontua, “significar é nos dirigir para uma pessoa”.
Não se trata, assim, de escuridão ou clareza, pois a estrutura do eu já contempla uma incompreensão sobre si. Não se trata de sabedoria ou ignorância, pois retiramos o aspecto epistêmico decorrente do paradoxo de Moore.
Se a construção narrativa em primeira pessoa é funcional, mostra-se imprecisa para localizar algo de si mesmo. Mostra-se como uma fotografia, instantâneo que parece conter, em si mesmo, certo emplastro para velar a banda de Moebius entre íntimo e exterior. (Seria a narrativa em primeira pessoa a fantasia?)
Isso nos faz entrever que a noção de si mesmo, a partir do referencial lacaniano, paradoxal tal qual o é, se aproxima, se não coincide, com o de extimidade. Objeto que enoda borromeanamente dentro e fora, construindo o circuito pulsional.